quinta-feira, 19 de maio de 2011

Swedish

Finos raios de sol penetravam a janela do quarto e aqueciam suas costas nuas. Repousava sobre a cama e dormia profundamente enquanto tinha seus longos cabelos acariciados por um par de mãos que antes lhe tocavam as maçãs do rosto. Naquele momento sonhava com flores brotando dentre os seus escuros fios de cabelo. Um beijo no rosto foi suficiente para despertá-la. Nunca abria os olhos imediatamente. Gostava daquele sol que lhe tocava as costas, e agora uma daquelas mãos também as tocavam. Com o polegar ele percorreu toda aquela extensão aveludada, até o momento em que ela se virou de frente, já de olhos abertos, fitou aqueles olhos que desde as primeiras horas da manhã a observava dormir, e deu um sorriso suave que não permitiam os dentes serem vistos. Ele também sorriu com o canto da boca e, inclinando seu rosto até o dela, beijou-lhe a testa, para por fim levantar-se da cama onde estivera sentado durante todos aqueles minutos, pegar suas chaves e sair pela porta.

“Éramos apenas nós dois, debaixo de uma árvore. Eu vestia aquele meu vestido florido favorito e você usava sua jaqueta de couro preta, igual ao dia em que nos encontramos pela primeira vez. Estávamos sentados no chão morno, de mãos dadas, dedos entrelaçados. Não estava nem muito frio, nem muito quente, como nós adoramos. Uma dúzia de flores das mais diversas cores nos rodeava, e mesmo pisoteadas eu as achava bonitas. Havia algumas menores em meus cabelos, e você parecia tentar soltá-las mesmo quando eu falava que não precisava se preocupar com elas, pois eu gostava. Eu brincava com seus dedos quando uma lágrima caiu de meu olho esquerdo. Você a enxugou beijando-me a pálpebra, e comentou algo sobre minhas lágrimas serem doces. Eu sorri. Você sorriu. Com a ponta do indicador eu fazia movimentos circulares em seu pulso, enquanto você desistia das flores no meu cabelo e colocava uma mecha atrás da minha orelha. Segurou meu rosto com as duas mãos, mas não me olhou nos olhos, nem disse palavra alguma, apenas desviava os olhos por todo meu rosto, com exceção dos olhos. Eu acompanhava o movimento de teus olhos, e sabia perfeitamente o que se passava em tua mente. Você então desceu as mãos até meus ombros e me abraçou com tanta ternura que eu podia sentir tua respiração oscilar e o teu corpo tremia. Eu encostei minha cabeça em teu ombro e assim permanecemos por muito tempo, até que a noite caiu, tu tinhas que ir embora. E mais uma vez senti um par de lágrimas escorrerem pelo meu rosto, mas desta vez tu as enxugava com as pontas de teus dedos, e em seguida tocavas o teu tórax. Tu sabias que não íamos nos ver nunca mais e querias guardar minhas doces lágrimas contigo. Encostei-me na árvore de onde as flores do chão pertenciam, e te olhei pela última vez, enquanto tu te afastavas sem olhar para trás, sem acenar um último adeus. Acho que entendes o significado deste sonho. Levo comigo a certeza de que me amastes, do teu jeito, não importa por quanto tempo, mas me amastes. Então fica também com a certeza de que eu te amei.”

O apartamento estava em silêncio quando voltara. Tudo se encontrava do mesmo jeito de antes: na cozinha as duas xícaras de chá usadas no café da manhã estavam sobre mesa, na sala as almofadas em que na noite anterior sentaram para assistir filme estavam no mesmo lugar e no quarto os lençóis permaneciam bagunçados, mas no travesseiro onde mais cedo aqueles negros cabelos se espalhavam, agora só restava o bilhete que ela deixou. Depois der ler este último bilhete, ele dobrou novamente o papel e de dentro do armário tirou uma caixa repleta de bilhetes semelhantes. Era costume ela escrever-lhe seus sonhos e deixá-los sobre travesseiro. Mas aquele era o último.

Ela não tinha amigos. Havia se mudado para Estocolmo três meses atrás, e Carl foi tudo que ela precisou durante aquele tempo. As únicas amizades que ela tinha eram os amigos dele, mas não seria sensato recorrer a algum deles. Foi para um hotel. Não pretendia permanecer muito tempo mais na Suécia.

Abriu uma maleta e pôs-se a escrever para sua irmã. Avisou que ia voltar para casa em poucas semanas. Ainda amava o Carl, e este era o problema, o amava demais. Amor é um sentimento dúbio que significa tanto cultivar quanto matar. Não lhe fazia bem. Não podia amar sabendo que um dia o que agora era cultivado um dos dois, ou talvez os dois ao mesmo tempo iriam matar. Então antes que isso acontecesse, ela partiu e ele sabendo de suas razões, respeitou. Preferiram viver apenas o lado bom daquele sentimento. Mesmo que sofressem para se separar, sofreriam muito mais se sufocassem até as boas lembranças que agora ficaram “... pode parecer controverso, mas sei que é o correto a ser feito. Saudades suas, irmã. Precisava de seu abraço. Com afeto, Himmel.